Pular para o conteúdo principal

Audiência de custódia: modo (correto) de fazer


Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu, em parceria com Fórum Grita Baixada, realiza roda de conversa sobre um dos mais controversos procedimentos legais da área criminal. Evento contou com apoio da subsede do Conselho Regional de Psicologia


O Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, em parceria com o Fórum Grita Baixada e apoio da subsede Nova Iguaçu do Conselho Regional de Psicologia (CRP), realizou na última quarta-feira (6/12) uma roda de conversa sobre Audiência de Custódia. O evento contou com a presença de especialistas como a defensora pública Renata Tavares, e de ativistas como Marilza Barbosa, da Frente Estadual pelo Desencarceramento. A intenção da roda foi transmitir ao público leigo como são realizadas as etapas e as implicações sociais recorrentes desse procedimento. 
  
A audiência de custódia é o instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão. O preso é entrevistado, pessoalmente pelo juiz, que poderá relaxar a prisão, conceder liberdade provisória com ou sem fiança, substituir a prisão em flagrante por medidas cautelares diversas, corroborando para práticas nem sempre punitivas. A lei atual determina que toda pessoa presa ou detida deva ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo para o processo. Mas nem sempre é o que acontece.

“Muitos delegados costumam criar dificuldades para a construção das audiências de custódia. Pode ser por racismo, preconceito, mas o certo é que eles chegam, inclusive, a questionar se há necessidade para se investigar a integridade física e psíquica do detento. Esse instrumento processual foi lançado para diminuir a população carcerária do Brasil, pois há entendimento de que muitos que lá estão não oferecem perigo a sociedade”, explica Luis Claudio Martins Teixeira, advogado ativista dos direitos humanos e membro da coordenação ampliada do Fórum Grita Baixada.

Racismo e pobreza - De acordo com Luís Cláudio, o programa de Audiências de Custódia embora seja um avanço na legislação penal, ainda precisa passar por algumas revisões. Uma delas é que outras centrais de audiência de custódia, a exemplo da que fica no Complexo de Benfica, sejam criadas. Hoje, segundo informações do site da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro , o local recebe detidos de Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense, dispondo de apenas seis salas para que o procedimento processual seja efetuado. “O que estamos tentando fazer é que o procedimento processual ocorra nos locais de origem da denúncia. Como a maioria dos presos são pobres, os familiares dessas pessoas são obrigadas a gastar o que não podem apenas com alimentação ou transporte. Elas, às vezes, percorrem centenas de quilômetros. Queremos acabar com isso”, explica Luís Claudio.

A assistente social Marilza Barbosa, que compõe a Frente Estadual pelo Desencarceramento, revela o outro lado do problema: a completa desinformação da grande maioria das pessoas custodiadas e dos familiares sobre o procedimento, incluindo no rol de dificuldades, tentar localizar o paradeiro do familiar detido. Ela própria, depois de passar pela aflitiva experiência, começou o seu trabalho de militância na Frente. “Um primo meu foi detido em Petrópolis e só depois de muita insistência consegui descobrir que ele havia sido mandado para (a unidade prisional) Bangú 10. Ele não tinha antecedentes, mas costumava consumir maconha. Foi, através de falsa acusação de tráfico, preso em flagrante, pois estava com um amigo menor de idade, apesar da pouquíssima diferença de idade entre eles, de somente alguns meses. Desfeito o engano, ele só cumpre prisão domiciliar”, relata Marilza, que também revela que muitas das audiências de custódia costumam ser iniciadas tendo apenas policiais militares como testemunhas de acusação, o que configura a completa falta de isonomia no processo, já que não há outras pessoas com versões favoráveis ao detido para se estabelecer o chamado princípio do contraditório.   


Durante a roda de conversa, a defensora pública Renata Tavares disse que o que norteia as decisões referentes à audiência de custódia é a conotação racista, fornecida especialmente pelos agentes de segurança, que determinam em suas acusações o tipo de responsabilidade criminal que pode recair sobre o indivíduo consumidor de drogas ilícitas. “Dependendo da cor da sua pele e em que comunidade você foi conduzido coercitivamente, o efeito é quase imediato: ou você vai ser enquadrado como usuário, o que pode trazer benefícios de ressocialização, como procurar um tratamento de saúde, ou ser taxado como traficante e ir direto para uma cela, antes mesmo de ser julgado. Basta consultar os artigos 28 e 33 do Código Penal  para saber a diferença”.       

13-12-17
https://forumgritabaixada.org.br/audiencia-de-custodia-modo-correto-de-fazer

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Violência e segurança pública são debatidos em Queimados

O Fórum Grita Baixada realizou, na noite da última segunda-feira (17), na Igreja Nossa Senhora da Conceição, Centro de Queimados, uma reunião com a sociedade civil para debater as inquietações acerca da violência e quais ações a sociedade poderia reivindicar ao poder público para a formulação de políticas de segurança na região. Foi uma conversa marcada pela heterogeneidade das representações: cerca de 35 pessoas entre políticos, professores, ativistas, religiosos, ONG´s e até duas empresas de comunicação locais se fizeram presentes. Uma delas, a Rádio Novos Rumos, disponibilizou seu equipamento para uma transmissão ao vivo em parte da reunião. O articulador do FGB, Douglas Almeida, propôs ao grupo que fosse produzido um diagnóstico atualizado sobre as problemáticas em discussão. O número de assaltos e roubo de carros na cidade foram uma preocupação quase imediata, além de atividades de grupos paramilitares que poderiam estar contribuindo para o aumento de hom...

Tribunal Popular da Baixada Fluminense: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus

Evento, que pretende denunciar o Estado Racista Brasileiro, acontecerá no dia 11 de setembro em Duque de Caxias  O QUE É O TRIBUNAL POPULAR? É uma iniciativa/metodologia/instrumento de incidência política que surge no Brasil no contexto dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 2008, quando movimentos sociais, movimentos populares e organizações de direitos humanos do Brasil intensificaram as discussões das constantes violações dos Direitos Humanos realizadas pelo Estado Racista Brasileiro. Essa iniciativa tem como objetivos centrais: * Ser um espaço/iniciativa de denúncia do Estado Racista Brasileiro; * Fomentar a perspectiva de um sistema de justiça menos racista  Desde fevereiro de 2018, movimentos sociais, rede de mães e familiares vítimas da violência de Estado, Defensoria Pública, movimento negro, fóruns e organizações de direitos humanos inconformados com o genocídio da juventude negra na Baixada Fluminense pra...

Espaços para ouvir (e depois) cobrar

Fórum Grita Baixada e Diocese de Nova Iguaçu organizam, respectivamente, eventos em que acolherão propostas de governo de candidatos e candidatas aos cargos de deputado(a) federal e estadual. Fórum Grita Baixada e a Diocese de Nova Iguaçu organizarão, na última semana de agosto, dois eventos que servirão de palco para que candidatos ao poder Legislativo dialoguem com os eleitores sobre a proposição de ideias a serem efetivadas em seus mandatos. Ambas as ocasiões serão oportunidades para a escuta das propostas, esclarecimento de dúvidas sobre as mesmas e, se for o caso, cobrar para que os chamados “representantes do povo” não se deixem desvirtuar do que prometeram em campanha.  O primeiro debate acontecerá em 21 de agosto. Promovido pela Diocese de Nova Iguaçu, abrigará os candidatos com certa tradição em pleitos eleitorais e os novos nomes, incluindo os da Baixada Fluminense. A descrição do evento, na mídia social Facebook, evidencia bem a temperatura reinante no colegiad...