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A Baixada Fluminense e o Estado Penal



A Baixada Fluminense e o Estado Penal: Fransérgio Goulart

Por Fransérgio Goulart*
Este breve artigo tem por objetivo apresentar como o espaço da Baixada Fluminense tem sido e tido experiências quase cotidianas de práticas de um Estado Penal. Destacamos ainda, que no centro desta reflexão se faz necessário uma análise da relação do capital e do racismo, que são estruturantes na fundamentação da Sociedade Brasileira.

Como é difícil representar o monstruoso, a violência! A teoria social crítica tem que representá-la, e uma das vertentes é enxergar através de Marx, para pensar uma sociedade quando formas sociais maduras. Isso pode ser aprendido, analisando-se o processo de formação social (DURKHEIM). Consideramos como sendo de fundamental importância à apresentação bem rápida do que é o Estado Penal e como isso tem se reconfigurado a partir da década de 1990 no que tange ao Estado Brasileiro.

Como aponta o doutor em Filosofia Marildo Menegat em seu artigo intitulado A Crise da Modernidade e a Barbárie, o futuro está encurtado, as forças dominantes ao perceberem isso, projetam uma nova reconfiguração do poder. Apesar de nunca termos alcançado o Walfare State, fora promulgada em 1988 uma Constituição, chamada “Cidadã”, por demarcar o que entendemos como Estado Democrático de Direito, contudo, desde 1990, há no Brasil uma reconfiguração no poder, ocorreu um avanço considerável nas ações de governo de cunho autoritário, ainda que sob a égide da Democracia referendada na Constituição de 1988.

O que veremos nesse documento é a prova cabal dessa nova reconfiguração de poder, onde as violações de direitos irão acontecer em pleno Estado Democrático de Direito, principalmente a partir da atuação das forças policiais com aval dos Poderes Executivo e Judiciário. O que Loïc Wacquant aponta, a partir dos Estados Unidos, como a diminuição de um Estado Social em função de um aumento do Estado Penal, principalmente no que diz respeito à população negra e pobre. Importante considerar, ainda que a palavra crise justifica todo processo que marca as violações, já que a crise é parte constituinte do capitalismo como demonstra a História.

O Estado Penal na Baixada Fluminense
As relações sociais, as mentalidades, os costumes, as narrativas individuais e coletivas, tudo se contamina com essa obsessão policial do Estado. Ou seja, estamos vivendo um processo de militarização das vidas, a potencialização do ESTADO PENAL. Um exemplo disso são as Chacinas quase que cotidianas realizadas na Baixada Fluminense. As Chacinas da Baixada, e no caso uma das maiores Chacinas da História do Brasil, a Chacina de 2005 em Nova Iguaçu e Queimados com seus 29 mortos é um exemplo clássico desse Estado Penal.

Além da Execução por parte da PM, o judiciário no caso do MP (Ministério Público) dos 11 PMs indiciados pela Chacina, chegamos a 2017 sem nenhum policial militar estar cumprindo pena, o que comprova o que mães vítimas da violência vem dizendo: “a polícia executa nossos filhos e, depois o judiciário ao arquivar as acusações aos policiais, nos mata lentamente. Isso é o Estado Penal, ou seja, executivo matando, legislativo construindo leis para potencializar as execuções e o judiciário absolvendo o Estado que executa.

Mas na conjuntura da Baixada Fluminense uma peculiaridade nesse processo do exercício do Estado Penal nos chama atenção, como muito bem analisa o professor José Cláudio Souza Dias, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural ao falar da colaboração dos históricos grupos de extermínio e atualmente das Milícias como não grupos paralelos ao Estado, mas parceiro e parte desse Estado.

Para o sociólogo, a violência na Baixada vem se institucionalizando de forma preocupante. Autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”, nega que os grupos de extermínio funcionem como poderes paralelos na região: “Não é nada paralelo. Esses grupos representam um estágio da própria construção do Estado e do poder político na região”, defende Alves.

O sociólogo se refere ao fato de membros de grupos de extermínio diversificarem seus “negócios” há, pelo menos, 20 anos. Alguns deles, inclusive, se lançaram em carreiras políticas de relativo sucesso. “É a chegada dos matadores ao poder. É uma forma de se proteger e, também, de tomar para si o controle sobre as regiões”, constata Alves.

O bando de policiais que, em 2005, cometeu os 29 assassinatos em Nova Iguaçu e Queimados é só um dos muitos que passaram a dominar a região. A trajetória ascendente de grupos de extermínio e/ou milícias nos municípios da Baixada, mostra o quanto ainda é preciso caminhar para que criminosos não continuem julgando, condenando e executando pessoas sem qualquer tipo de resposta do Estado.

O que estamos buscando aqui nesse artigo é compartilhar que o “Estado de Bem Estar Social” deu vez ao “Estado do Mal Estar Social”. Acumular Capital é o jogo principal, e no caso do Brasil, em especial da Baixada Fluminense, corpos negros e pobres são matáveis e descartáveis. Em função do capital internacional investido nas últimas décadas, e da necessidade de sua valorização, o poder público, na figura dos atuais prefeitos da Baixada Fluminense e do atual governador (Pezão) e presidente da República (Michel Temer) assumem o discurso da guerra aos monstros – e no caso da Baixada Fluminense, os monstros são os pretos, pobres, favelados e periféricos –, utilizando o MEDO veiculado todos os dias com apoio da grande mídia como justificativa para a imposição da “ordem” por meio das armas que vão garantir a acumulação por espoliação do capital, o impedimento da circulação na cidade, entre outras tantas violações.

Segundo a Anistia Internacional em um levantamento feito para a Campanha Jovem Negro Vivo de 1980 a 2012, 1.200.000 pessoas foram mortas no Brasil, superando os números das 12 maiores zonas de conflito armado do mundo juntas como: Iraque, Afeganistão, Sudão, Colômbia, Congo, Sri Lanka, Índia, Somália, Nepal, Paquistão, Caxemira, Israel/Territórios Palestinos.

No período de 2004 a 2007, esses territórios juntos somaram 170 mil mortes, no Brasil nesse mesmo período foram mais de 192 mil mortes. A Baixada Fluminense hoje tem os maiores índices de homicídios do Estado do Rio de Janeiro. Vale ressaltar também que os mortos tem cor, idade e sexo: são jovens de 15 a 29 anos, do sexo masculino e preto, representando mais de 70% destes mortos. Tanto na Baixada Fluminense como no restante do Brasil, a sociedade reconhece que o ESTADO tem sido um dos principais responsáveis por esse extermínio. Como responderemos a essa barbárie? O que estamos fazendo além de viver as nossas vidas? Vidas Negras e Pobres Importam!!!

Referência:  WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001; WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. 

*Historiador, Assessor Político do Centro dos Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, Militante do Fórum Social de Manguinhos e do Movimento de Favelas, Apoiador dos Movimentos: Mães de Maio, Mães de Manguinhos e Rede de Comunidades e Movimento Contra a Violência e Especialista em Políticas Públicas de Juventudes.

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