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Uma denúncia contra a precariedade habitacional

Filmado na Rocinha, o documentário “Vai Cair Mais Terra”, é exibido na Baixada Fluminense através de uma parceria com o Fórum Grita Baixada.   

Imagine que todos os dias, para chegar ao local onde mora, você tenha que subir quase 300 metros de altura. O percurso está longe de ser regular. Centenas de desvios por entre ruelas, becos, poças ou filetes de esgoto são necessários para se completar o itinerário. Há de se ter, ainda, o cuidado para não bater a cabeça em alguma quina de obra. Como se não bastasse, ao adentrar as imediações de sua habitação, é preciso equilibrar-se por um conjunto de rochas inclinadas, mais alguns metros acima, para, por fim, alcançar seu destino. Isso sem contar que todo o percurso em descida terá de ser refeito para trabalhar, fazer compras, ir ao médico, buscar os filhos na escola, etc. Lá em cima, não há coleta de lixo, escola, farmácia, supermercado e lazer.  

Essa é a batalha diária do casal Vito e Rosângela e seus dois filhos. Moradores da Rocinha, eles são os personagens do documentário “Vai Cair Mais Terra” (More Earth Will Fall), produção inglesa editada e dirigida pelos cineastas Sam Liebmann e Lee MacKarkiel que, na última segunda-feira, (08/10) participaram de uma exibição seguida de roda de conversa no Centro de Formação de Líderes (Cenfor), em Nova Iguaçu, onde o Fórum Grita Baixada foi chamado pela produção do filme para ser um parceiro local na Baixada Fluminense.

O dia da exibição contou com a participação de integrantes da Pastoral Operária, Associação Vida no Crescimento e na Solidariedade (Avicres) e assistentes sociais que estabeleceram uma série de semelhanças com a Baixada no tocante da violência e nas questões habitacionais. Uma das assistentes sociais presentes na roda de conversa, Rosa Maria da Silva Lima, assim descreveu as suas impressões sobre o filme. “O filme fala sobre a naturalização do sofrimento do pobre. Por ele pertencer a uma parcela da população que não tem recursos, que sobrevivem em condições precárias. Há uma conformidade sofrida ali o tempo todo”, diz Rosa.   

Assessor de comunicação do Fórum Grita Baixada, jornalista Fabio Leon, que recepcionou a dupla de cineastas, disse ao grupo o porquê do interesse do FGB em realizar essa parceria. “Acreditamos que o audiovisual é um excelente instrumento de denúncia contra as injustiças sociais. A exemplo do que estamos fazendo há meses com o documentário Nossos Mortos Têm Voz, que lança luzes sobre a chacina da Baixada, que assassinou 29 pessoas inocentes, o documentário Vai Cair Mais Terra, dialoga perfeitamente com as propostas de incidência política, mobilização e articulação no campo dos Direitos Humanos que é o arcabouço do nosso projeto. Por isso eles estão conosco nessa noite”, disse Leon.    

A aproximação com a Rocinha e com a própria família retratada no filme começa em 2009, quando a esposa de Liebman, a carioca Tatiana Simioni, residindo alguns anos em Londres, resolve fazer trabalho voluntário. “Ela cresceu em um bairro de classe média e sentia medo das favelas cariocas, dos tiroteios, e ficou muito comovida com aquela situação, imaginando como seria o sofrimento daquelas pessoas”, explica o cineasta.

No mesmo ano, eles partem para a Rocinha e durante 6 meses trabalham na Organização Não Governamental União de Mulheres Pró-Melhoramento da Roupa Suja, localidade da Rocinha, cujo nome tem sua origem na constante falta de água da região, o que levou seus moradores a descerem até sua base para lavarem as roupas. A ONG existe na favela desde 1976 e realiza trabalhos  voltados a Educação e a Alimentação. Após o término da experiência, Liebman decide ficar mais um mês com sua câmera para fazer o esboço do que viria a ser o documentário. Ele já havia feito registros cinematográficos sobre os conflitos de terra na Palestina e em Israel.

O filme é um dos resultados do projeto Overview, cujo objetivo é criar diálogo com diferentes setores da sociedade brasileira sobre questões relevantes sobre a vida em ambientes urbanos diversos, em particular como forma de dar voz a comunidades marginalizadas em favelas. As filmagens de “Vai Cair Mais Terra” foram iniciadas em 2009, encerrando-se ano passado. É o retrato de luta contra a violência armada e os problemas relacionados a habitações precárias, tão comuns em comunidades periféricas. Tudo isso através de um olhar que contrasta com o enquadramento sensacionalista da mídia hegemônica sobre esses temas.

Habitação no Brasil, um problema crônico
O barraco onde moram Vito, Rosângela e seus dois filhos engrossam as estatísticas relacionadas ao déficit habitacional de quase 8 milhões de moradias, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os dados mais recentes foram coletados em 2015 e têm como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. A maior parte do déficit habitacional brasileiro é provocada por famílias com um grande comprometimento da renda com o pagamento de aluguel (3,27 milhões) e pela coabitação, ou seja, famílias dividindo o mesmo teto (3,22 milhões). As chamadas habitações precárias são de 942,6 mil moradias e o restante (317,8 mil) pertence ao chamado adensamento excessivo ou muita gente morando no mesmo lugar. Ainda segundo o estudo, a falta de habitação atinge mais as famílias de baixa renda - 91% ganham até três salários mínimos. São famílias pouco atendidas pelo setor imobiliário ou mesmo por programas habitacionais.

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