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Grito dos Excluídos 2018: Relação entre Neoliberalismo e Genocídio da Juventude Negra em Debate na Baixada

O neoliberalismo talvez seja a faceta mais cruel do capitalismo, pois seus efeitos colaterais na sociedade não se restringem somente aos pormenores econômicos. Sua dimensão é plural, em camadas, atingindo todas as representações sociais e políticas que se encontram à margem. Essa é uma das conclusões do seminário Neoliberalismo e Opressões, que ocorreu na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), campus Nova Iguaçu, no dia 14 de setembro, como parte da programação do Grito dos Excluídos 2018 – Baixada Fluminense.

O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular carregada de simbolismo. É formado por pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas das populações invisibilizadas. A proposta surgiu no Brasil em 1994 através de uma iniciativa da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para ser materializado em setembro do ano seguinte, justamente na semana da Independência do Brasil, com o objetivo de chamar a atenção para as várias formas de exclusão social. A partir de 1999, o Grito rompeu fronteiras e estendeu-se para as Américas. Sempre com um lema nacional, pode ser trabalhado regionalmente, a partir da conjuntura e da cultura local. As manifestações são variadas, de acordo com a criatividade dos envolvidos: caminhadas, desfiles, celebrações especiais, romarias, atos públicos, procissão, cursos, palestras, seminários.

Foi através desse último eixo que o Fórum Grita Baixada–em parceria com o Pré Vestibular UNEafro Brasil de Belford Roxo, a Pastoral Operária, o Comitê da Ação da Cidadania de Nova Iguaçu (CEDAC), o Movimento Pró-Saneamento (MPS) de São João de Meriti, a Pastoral da Juventude, a Casa Fluminense, o NAV – Núcleo de Atenção à Violência e o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) de Nova Iguaçu–mobilizou-se para tratar, no ambiente universitário, de temas complexos como roubo de direitos, agiotagem da dívida pública, privilégios, violência de raça (racismo), de gênero (machismo e intolerância à diversidade), de classe (neoescravidão e exclusão), dentre tantas outras. Para isso, foram convidados o sociólogo Leandro Dos Santos, professor de Políticas Educacionais da UFFRJ, e a economista Giselle Florentino.

Prioridades Equivocadas

Em sua fala inicial, Giselle disse que o neoliberalismo não é apenas uma aberração econômica como também se trata de “um projeto com o objetivo de alterar os arcabouços jurídicos de regularização do capital e da reorganização do sistema de produção”. “Basta dizer que estamos diante de uma abertura externa e comercial de maneira irrestrita e sem a devida preocupação com os efeitos que isso vai gerar na classe trabalhadora. É uma economia de mercado aberta aos interesses privados, com baixa efetivação dos sistemas de proteção social que deveriam fornecer as garantias das reformas trabalhista e previdenciária, por exemplo”, analisa Giselle.

Um dos problemas mais graves apontados por Giselle está relacionado à chamada rolagem da dívida, ou seja, quando o governo refinancia dívidas antigas cujo prazo de pagamento venceu. Isso pode ser feito, por exemplo, com a renovação de contratos de empréstimos ou firmamento de novos contratos.

Segundo a economista, de 2001 a 2009 o Brasil havia gerado R$143 bilhões em rolagem da dívida. Somente em 2017, o país já teria gasto R$501 bilhões. “Isso sem contar que gastamos 43% do orçamento apenas para amortizar juros que ninguém sabe de onde vêm, pois há um sigilo bancário dentro do próprio Banco Central que deixa esse processo ainda mais nebuloso”, explica Giselle.

Os números falam por si

Já o professor Leandro dos Santos falou acerca das perversidades do neoliberalismo sob a perspectiva da sociologia. Para começar, ele disse que nos países da América Latina existem traços muito particulares que potencializam o abismo social entre as classes. Um deles estaria mais explícito na relação entre patrão e trabalhador. “Há uma etnicidade latente entre os pobres, que são em sua grande maioria negros e nativos (indígenas). Quem está ocupando os espaços de poder são os donos dos meios de produção, uma classe dominante branca”, explica Santos.

Segundo ele, os homicídios em massa, que há um bom tempo ganharam a denominação de genocídio, também fazem parte da política neoliberal. Ela é racista na forma e no conteúdo. Segundo a última edição do Atlas da Violência, pesquisa coordenada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2006 a 2016 o Brasil teve uma média de mais de 50.000 homicídios por ano, um número assustador que, ao contrário do que se imaginou, manteve-se alto mesmo em épocas de estabilidade econômica. “No período de 2013, o Brasil teve um crescimento de 7,5%, mas não conseguiu reduzir a média histórica do número de homicídios. E como sempre morreram mais mulheres e jovens negros e da periferia. Não importa o cenário econômico, a tragédia vai ser a mesma”, afirma Leandro.

Ainda segundo o Atlas da Violência 2018, no país 33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. Esse número representa um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior. Se, em 2015, uma pequena redução fora registrada em relação a 2014 (-3,6%), em 2016 voltamos a ter crescimento do número de jovens mortos violentamente. Houve aumento na quantidade de jovens assassinados, em 2016, em vinte estados, com destaque para Acre (+84,8%) e Amapá (+41,2%), seguidos por Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Roraima, que apresentaram crescimento em torno de 20%, e de Pernambuco, Pará, Tocantins e Rio Grande do Sul, com crescimento entre 15% e 17%. Em apenas sete estados verificou-se redução, com destaque para Paraíba, Espírito Santo, Ceará e São Paulo, onde houve diminuição entre 13,5% e 15,6%.

Rumo a uma Era Pós-Neoliberal?

Ao final da roda de conversa, os participantes colocaram a pergunta aos palestrantes sobre se existiriam, de fato, governos que poderiam ser caracterizados como “pós-neoliberais”, em que se detectasse algum tipo de rompimento com o modelo vigente. Para eles a lógica do capital permaneceu em ritmo de perpetuação nos governos Lula e Dilma e em alguns outros na América Latina. Os chamados governos de coalizão, para Leonardo, poderiam ser uma composição democrática ampla, com várias representações da sociedade envolvidas, mas houve distorções perigosas, segundo a sua avaliação.

“Como é que em um governo popular e democrático cria uma Força Nacional de Segurança? Não experimentamos um estado de bem-estar social em sentido amplo, embora os programas sociais desses governos (Lula e Dilma) tenham avançado de forma estrutural. Mas daí a dizer que foram pós-neoliberais, como se um passo à frente tivesse sido dado para reconfigurar esse modelo econômico, já considero um exagero”, conclui Leandro.

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