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A BAIXADA FLUMINENSE E A NECROPOLÍTICA DE WILSON WITZEL: PARTE 2


Representantes da Baixada Fluminense e do município do Rio de Janeiro analisam as políticas de segurança pública do governador eleito Wilson Witzel, sob a perspectiva da necropolítica do filósofo camaronês Aquile Mbembe, na segunda reportagem da série.

Mbembe fala no ensaio Necropolítica sobre a “neocolonização”. A comparação com o período colonial se dá porque a política atual envolve relações de subalternização parecidas às que os países colonizadores infligiram no passado sobre suas colônias. Dito de outra forma e adaptando-se à ideia de segurança pública: as autoridades demarcam territórios considerados hostis, de acordo com decisões políticas que atestam que o combate à violência sempre demanda mais uso da força. Afinal de contas, a necropolítica de Mbembe não trata somente dos mecanismos da morte propriamente dita, mas também a exposição a risco de morte, à marginalização sociopolítica e dos contextos sócio-políticos em que matar torna-se uma escolha possível considerando o domínio do Estado sobre os corpos pretos, pobres e periféricos.

Como resultado, a ocupação neocolonial do espaço passa pela afirmação do controle físico e geográfico sobre os corpos daquele território, demarcação de áreas de perigo, formando um novo conjunto “de relações sociais e espaciais”. Esse novo conjunto de relações produz fronteiras e hierarquias, zonas e enclaves; a classificação das pessoas de acordo com diferentes categorias, segundo Mbembe. A política beligerante de segurança pública do governo Witzel tem potencial para impactar diretamente as favelas e periferias, por meio desse controle dos corpos, da demarcação do território como hostil, e da classificação de seus moradores como perigosos.

Segurança Pública e Direito à Vida no Programa de Witzel
Esse receio fica claro nos 5 pontos de divergência com o programa de governo de Witzel apresentados pela Casa Fluminense, organização da sociedade civil que pensa políticas públicas para todo o Rio metropolitano. No texto, a Casa compara propostas do programa de governo do Witzel com as propostas da Agenda Rio 2030—agenda construída em colaboração com uma rede de pessoas e organizações ampla da sociedade civil regional, dentre elas o Fórum Grita Baixada e pactuadas com diversos candidatos, com o intuito de acompanhar, diagnosticar, propor, mobilizar e incidir sobre as políticas públicas na região metropolitana inclusive na Baixada Fluminense. No que diz respeito às propostas para “Segurança Pública e Direito à Vida”, a Casa Fluminense enxerga com muita preocupação a proposta do governador eleito em autorizar a execução de criminosos, baseada nos chamados excludentes de ilicitude do artigo 23 do Código Penal, também conhecidos como “Lei do Abate”, já mencionados na primeira matéria desta série.

Segundo a Casa Fluminense, além de haver um intenso debate sobre a legalidade deste tipo de medida, acredita-se “que a lógica do confronto no enfrentamento do crime vai proporcionar ainda mais violência e mortes, que atingirá tanto os moradores de favelas e periferias, quanto os próprios policiais. Se buscarmos no dicionário a definição da palavra ‘abate’, encontraremos “ação de matar animais para o consumo humano ou processo de criação desses animais para serem consumidos: boi para o abate”. Não podemos naturalizar esse tipo de abordagem na segurança pública, trazendo uma palavra utilizada para matar bois e frangos como solução para a violência urbana. Isso nos desumaniza e nos leva para uma fronteira perigosa, na qual as vítimas preferenciais serão jovens negros, pobres e moradores da favela”.

Como as Milícias se Inserem Nesse Cenário?
Além disso, embora demonstre entusiasmo em combater a criminalidade nas favelas, Witzel pouco comenta como seu governo vai enfrentar uma das principais facções criminosas em andamento no Estado do Rio, principalmente na Baixada: as milícias. Com um poderio econômico que conta com o apoio ou conivência de secretários e outros gestores públicos de diversos municípios da Baixada, as milícias empregam um outro tipo de domínio territorial em comunidades pobres: pequenas pilhagens na forma de taxas de segurança ou através de negócios explorados de forma irregular.

É sabido por muitos moradores da região que o status de poder alcançado pelos grupos paramilitares que as formam foi construído a base de muitos assassinatos, uma territorialização construída com sangue. Entretanto, elas estão longe de ser uma novidade. Uma geração de parlamentares oriundos das forças armadas e da própria rede de segurança pública, no poder há anos na ALERJ e nas câmaras dos vereadores de várias cidades, foi incapaz de impedir a expansão das milícias ou de diminuir o número de chacinas e desaparecimentos forçados na região.

A Perspectiva dos Moradores da Baixada Fluminense
Marta Batista, moradora de Belford Roxo, relata um cotidiano de mortes. Segundo ela, basta chegar a sua localidade para ter o risco de receber a notícia de que mais um jovem foi assassinado por matadores da área. “Na Baixada as chacinas são frequentes, lugares dominados por grupos de extermínio, onde as milícias vêm ganhando força total. Essa lógica de ‘limpar o bairro’ infelizmente é velha conhecida de quem mora aqui e o discurso do Witzel faz com que os ‘donos’ de bairro se sintam empoderados”, diz Marta.

Para ela, a política de segurança pública determinada pelo novo governador não demonstra preocupação com a possibilidade de mais letalidades serem registradas em áreas periféricas em função de conflitos armados. “Isso indica que vamos continuar numa segurança pública que gasta muita bala e não usa a inteligência, que gera mortes e traumas e não resolve o problema da violência. Witzel ganhou por ser o candidato do Bolsonaro, e Bolsonaro teve e ainda tem muitos seguidores pela Baixada. O discurso fácil e raso para solucionar os problemas conquistou muitos adeptos que ainda não entenderam que as armas estarão apontadas para as periferias e favelas”, diz Marta.
Quem também manifesta bastante receio sobre essa política da bala é a ativista e historiadora Nivea Raposo, integrante da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense. Ela teve o filho assassinado por milicianos.

O relato de seu luto transformado em luta foi parar nas telas de projeção graças ao documentário Nossos Mortos Têm Voz, produzido pela Quiprocó Filmes e apresentado pelo Fórum Grita Baixada e Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu. Além de salientar que a política de segurança pública de Witzel está ancorada no racismo institucional camuflado de combate às drogas, ela afirma que é necessário perceber que esse fenômeno ocorre em espaços que já são criminalizados por parte da sociedade. “Dessa maneira, essa parte da sociedade cobra do governo uma política mais repressora. Acredito que se houvesse um investimento na educação política popular, poderíamos começar a sonhar com uma democracia em todos os sentidos”, diz Nívea.

Marilza Barbosa, representante da Frente Estadual pelo Desencarceramento, acredita que Witzel vai legitimar uma prática que é feita desde sempre, principalmente na Baixada Fluminense: o extermínio de jovens negros, pobres e favelados. “A eleição de Witzel e Bolsonaro é o resultado sobre como essa sociedade é, e como ela enxerga a população negra, pobre e periférica. Esse extermínio também vai se refletir nos presídios, pois vai contribuir para o super encarceramento dentro de um espaço que é uma máquina de moer gente, já que produz um grande número de mortos, tanto no sistema penitenciário como nas unidades de medidas socioeducativas. Isso sem falar da Justiça que também é omissa”, finaliza ela.

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